quinta-feira, 9 de julho de 2009

Alvíssaras


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Alvíssaras

Que traz em seu alforje a madrugada?
E o áugure o que lê nas entrelinhas
Das arcanas entranhas do futuro?

Em seu ninho de fogo, generoso,
Que prepara em seu sangue o pelicano?
E Orfeu o que perscruta em sua lira?

Acaso já delira a pitonisa
Em sua embriaguez antevisora?
Qual a safra de sonhos do profeta?

Desvelo em seu tremor estas primícias
Do canto inaugural da Nova Idade,
E posso proferir meus vaticínios:

Haverá tanto amor na virgem Terra
Que seu mêstruo benéfico assegura
A vitória da Ovelha sobre o Lobo.

Tudo mais será escória do Passado,
Voz antiga, insensível, dispensável,
Que o fogo em seu ardor reduz a cinzas...

Embora infante boca do futuro
Já posso pronunciar meu Evangelho:
SOMENTE O AMOR INFLAMARÁ O PLANETA!

Antônio Lázaro de Almeida Prado
Ciclo das Chamas e outros poemas- editora Ateliê


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SE ARTE, REPARTE


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SE ARTE, REPARTE


Com outros reparta o sol

A sombra (fatal parceira)

Com fúria de enredadeira

Empalidece o arrebol.


Com outros comungue a vida

O acre da amarga vinha

Deixe à escolha (iludida)

Da inveja, louca e mesquinha.


Com outros prove do vinho,

Generoso, do viver

E faça do seu vizinho

Parceiro do ser e ter.


Beba com outros a pura

Límpida linfa da vida

Que mais se adoça e se apura

Quanto mais for dividida.


Com outros beba alegria

Prove a ventura do trigo

Prove o bem da companhia

Faça de tudo um amigo.


No exercício do amor

Condivida o seu prazer;

Repartida, a própria dor

É mais fácil de viver.


Com outros reparta o sol

Com outros componha a vida

Se amarga, a vida de um só

Doce, a vida repartida.





Antônio Lázaro de Almeida Prado

março de 1997 LÚCIDO SONHO




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quarta-feira, 8 de julho de 2009

Desafio orquestral...




Desafio orquestral...


Versos que eu faço
São sem espinhos:
Para crianças
E passarinhos.


Destes persigo
A competência,
Quero daquelas
Graça e indulgência.


Que perto deles
Logo te ancores:
Não são proibidos
Para maiores...


Que neles haja
Sabor de cantos
E em todos cause
Prazer e encantos.


Que eu faço versos
Mas sem espinhos,
Com partituras
Pros passarinhos...


Antônio Lázaro de Almeida Prado


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segunda-feira, 6 de julho de 2009

2 MOMENTOS DE POESIA

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2 MOMENTOS DE POESIA



1- Somente o perfume...
(Para T.)
Dei-te a rosa melhor de meus carinhos,
Na qual minha existência se resume,
Não ligues para o acúleo dos espinhos:
Aspira, doce amor, só o perfume...



2- Pessoa e seus heterônimos...

Com quem falavas, Fernando,
Ao te fazeres plural,
Persistias procurando
Por um parceiro genial?
Projetando tua imagem
Nesse Tejo indiferente
À tua estranha passagem,
Julgando que eras demente?
Que tinha o tal Sá-Carneiro
De, com idéia infeliz,
Deixar de ser teu parceiro,
Indo matar-se em Paris?!...
Foi então que, constrangido,
Não tendo com quem falar,
Fingiste ter conseguido
Teus ecos, pra dialogar


Antônio Lázaro de Almeida Prado
Assis, 3 de julho de 2009

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EXERCÍCIOS DA VOZ

EXERCÍCIOS DA VOZ
Antônio Lázaro de Almeida Prado

O campus pioneiro de Assis (2)...

A (hoje) Faculdade de Ciências e Letras (campus de Assis da UNESP), que abriu seus cursos em 1959, com o compromisso de transformar-se num centro de estudos humanísticos, sob a Direção do Prof. Dr. Antônio Augusto Soares Amora, ganhou notabilidade rápida e merecida, por 2 motivos basilares: o 1º foi o encontro, durante o ano de 1958, de toda a equipe de Professores, em reuniões semanais, com o fito de tomar iniciativas, que antecederam as da USP, como por exemplo, unir a Literatura a seus contextos históricos (História da Cultura e Cultura Brasileira), o 2º: criar as disciplinas de Linguistica e a de acompanhamento psico-pedagógico aos alunos, desde o 1º ano; abrir frentes de publicações para Professores e Alunos com a publicação de Teses e Dissertações; o de trazer para Assis o melhor do Teatro, do Cinema, das Artes, das Audições de Música Clássica, o de criar as melhores bibliotecas-piloto, com abertura para História, Filosofia, Filologia.
O Professor Lourival Gomes Machado, exigentíssimo quanto ao nível de estudos universitários no Brasil, disse um dia que a Faculdade de Assis era um celeiro para o rejuvenescimento da USP.
Os corpos Docente, Discente e Administrativo se comprometiam com a Dedicação Plena, com períodos de Estudo e de Docência, o que propiciou a Assis sediar o 2º Congresso da Crítica e História Literária, que abriu Assis para a convivência científica internacional.
Mas talvez o mais relevante, no campo da Literatura, foi trazermos para Assis talvez o Crítico Literário mais sensível à produção poética, na figura ímpar de Antonio Candido de Mello e Souza, que se fez um traço-de-união entre Professores Brasileiros e estrangeiros, reconhecidamente competentes.
A sorte também nos favoreceu. Aos poetas Brasileiros Cassiano Nunes e Antônio Lázaro de Almeida Prado juntaram-se o poeta espanhol (sensibilíssimo) Don Julio Gregorio García Morejón e os poetas portugueses Jorge de Sena e Fernando Manoel de Mendonça, notáveis pela atualização dos estudos das Literaturas Espanhola e Portuguesa.
Isso qualificou a então Faculdade de Assis pela valorização da Poesia, como instrumento formador de uma visão verdadeiramente universal.
Vieram então os Cursos de História, Psicologia e Ciências Biológicas que trabalharam com amplitude de espírito e grande sentido de equipe. O 1º Reitor da UNESP quis levar o Curso de Psicologia para Botucatu e deu 24 horas para que um Professor Titulado assumisse a Direção do Curso de Psicologia. Coube-me assumir essa incumbência, acumulando o Curso de Românicas e de Psicologia, com 21 horas-aulas semanais, o exercício de Decano, e fazendo a Teses de Livre Docente sobre o Itinerário Poético de Salvatore Quasimodo.
Esse era o espírito de colaboração plena entre os Docentes, Discentes e o Corpo Administrativo.
E esse é agora o campus universitário pioneiro no Sudoeste Paulista.
Vale a pena recordar tudo isso que significou o 3º salto de qualidade para Assis e Região.

Assis, 30 de junho de 2009

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EXERCÍCIOS DA VOZ

EXERCÍCIOS DA VOZ
Antônio Lázaro de Almeida Prado

De volta à base...

Num sábado, 5 de fevereiro de 1944, o Diário de Piracicaba publicou o meu primeiro artigo. De lá para cá, dirigi jornal escolar, dirigi em São Paulo o jornal democrata-cristão Libertação, publiquei artigos literários no Jornal de Piracicaba, colaborei em revistas literárias, etc, etc.
São 65 anos “de janela”, dos quais, desde 1959 venho publicando Resenhas Literárias Jornalísticas, e crônicas Assisenses.
Há cerca de uns três meses tive de dedicar-me, exclusivamente, a cuidar do melhor dos bens, de que a Providência nos dotou, a Saúde.
Estou, aos poucos, retomando algo, que está entranhado em mim desde criança: ler (muito), escrever poemas e dedicar-me inteiramente às comunidades onde nasci, ou onde estudei: Piracicaba, Campinas, São Paulo, Assis.
Como Professor Universitário escrevi Artigos Científicos, Resenhas Literárias, fiz conferências de varia ordem, representei o Brasil e a Língua Portuguesa no Festival Internacional de Poesia de Gênova. Incentivado por Fernanda Maria, minha filha e por Marcos, meu filho, e que digita tudo que produzo, muito tardiamente resolvi-me a publicar meus livros de Poesia.
Acompanho, com entusiasmo, o surgimento de pessoas verdadeiramente vocacionadas para a criatividade literária. Li, comovido e grato, o generoso artigo de Vicentônio Regis do Nascimento Silva “Simplesmente Poesia”. Honra-me, muito, ver, por vezes, artigos dele e meus, voltados para a criatividade artística, que nele, indiscutivamente, é um dom, uma vocação, um percurso crescente.
Vicentônio começa de onde muitos escritores desejariam arrematar a vida artística.
Credito à generosidade de poeta, sempre prontos a apoiar seus confrades, o bem que disse de mim, e que eu, “hombre humilde y errante”, só agora, após meses de cuidados médicos, posso agradecer.
Juscelino dizia que “Deus me poupou do medo”, A nós, poetas, Deus nos poupou da inveja, do rancor e da indiferença...

Assis, 18 de junho de 2009

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POESIAS EM EXERCÍCIOS DA VOZ

POESIAS EM EXERCÍCIOS DA VOZ


RETRATOS FALADOS (Nº 1)
O NASCIMENTO DE THEMIS...

Quando Themis surgiu, abriu-se a rosa
E arco-íris rebrilhou no Paraíso,
Iniciou-se uma era esplendorosa
E o mundo conheceu o que é o sorriso.
Quando Themis surgiu, nasceu o dia
E o sol se reabriu, claro e preciso,
Inaugurou-se a Era da Poesia
E o som ganhou um tom novo e incisivo.
Quando Themis surgiu, em nova Era,
A beleza deixou de ser quimera,
E o sonho fez florir o campo e o prado,
Por graça de um amor sempre esperado.
Tudo que fora triste refloriu
O que fora cadente ressurgiu
Revestiu-se de sonho o mês de abril
Simplesmente porque Themis sorriu...


Assis, 29 de junho de 2009
Antônio Lázaro de Almeida Prado



RETRATOS FALADOS (Nº 2)
GILDA DE MELLO E SOUZA E A MODA

Gilda nos ensinou
Quanto a mulher eterna
Concede graça e estilo
À veste que a envolve.
E, bem documentada,
Captou, com fina argúcia,
A moda parisiense
Ou o feitiço plástico
Das belas paulistanas.
É que ela praticava
As multiformes faces
Da requintada arte,
Com elegância própria.
Por ciência, ou por instinto,
Por sábia e ardilosa,
Nascida para o brilho
Da graça feminina,
Falou com propriedade
Do encanto da mulher,
Que ela compendiou,
Mas preservou a fórmula,
Que só a mulher conhece...
Mestre Roger Bastide
Viu sempre, com alegria,
A excelsa maestria
Da talentosa aluna.
Mas é que, sempre, ela,
Esperta e bem atenta
Com Baudelaire sabia
Que quando a mulher anda
Ela, de fato, dança.
Assim, aluna e mestra,
Com atenção acesa,
Ao cultivar a moda
Viu que a mulher enfeita
Com sua graça eterna
A roupa que a reveste,
Sendo ela que dá forma
E superior fascínio
À moda metamórfica...
Que a moda é transitória
Mas a mulher é eterna...

Assis, 7 de novembro de 2007
Antônio Lázaro de Almeida Prado


RETRATOS FALADOS (Nº 3)
SÔNIA MARIA RIBEIRO WOLF

Ela nasceu destinada
À mais completa elegância
Com graça, predestinada,
Da infância.
Nasceu, cresceu com presteza,
Para viver em altitude,
E converter a beleza
Em virtude.
Nasceu, com graça irradiante,
Que lhe confere nobreza,
Propagando, a todo instante,
Gentileza...


Assis, 21 de agosto de 2007
Antônio Lázaro de Almeida Prado


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O VALOR DA VIDA

O VALOR DA VIDA...

Tudo o que é da vida tem valor e brilho:
A Rosa eficaz, o trigo ou o milho,
A chama do amor, forte, inextinguível,
O tempo que passa, a hora futura,
O sopro, a fumaça, a fruta madura,
Tudo, só quem ama, faz tornar possível.
Todo o bem da vida sobrepassa a usura,
Torna o amor terreno uma coisa pura,
Boa de viver-se, coisa tão preciosa
Como o amor-perfeito e o sabor da Rosa.
E o melhor da vida é que não tem preço
É um bem gratuito, digno de apreço.
Tudo o que é da vida, para nossa sorte,
Vive além do tempo e cancela a morte,
Cabe num sorriso, breve, da criança
Qual matriz perene, base da Esperança,
E, num zig-zag, todo o céu se inflama,
Que o mundo vale só para quem ama...


Assis, 1º de julho de 2009
Antônio Lázaro de Almeida Prado

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LEITURAS ASSISENSES

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LEITURAS ASSISENSES

Antônio Lázaro de Almeida Prado

Entre os superdotados: Apollinaire...

Acontece surgirem em várias Culturas alguns privilegiados. Desde Ovídio que declarou saírem, em forma de versos, tudo quanto queria dizer, até o nosso Vinícius de Moraes ou esse nosso Murilo Mendes. Para não falar de Jaime Ovalle, até há pouco quase esquecido pelos colunistas literários.
Talvez um dos melhores exemplares dos gênios poéticos terá sido esse misteriosos Guillaume Apollinaire, capaz de ao construir poemas longos fazer-nos lamentar que eles cheguem ao fim,e ao fazer poemas breves, igualmente nos encante.
De Apollinaire disponho de várias edições em minha biblioteca. Além das francesas agrada-me, particularmente, pela alta qualidade da fixação dos textos e pela incomparável beleza das traduções Guillaume Apollinaire Alccole Caligrammi, a cura di Sergio Zoppi (Milano, Mondadori,
Biblioteca Monda1986 e Edizione Olear poesia, setembre 1990, 518 p.)
Vejo surgir entre nós, agora, Guillaume Apollinaire Caligramas (Ateliê Editorial- Ed EnB, 2008, 184 p.) com Intrudução, Organização e Notas de Álvaro Faleiros e Prefácio de Véronique Dahlet.
Não se trata de uma Tradução Integral, mas, para o público brasileiro é uma obra relevante, pelas reflexões que propõe a respeito dos poemas plásticos de Apollinaire e a intenção (justificada) de nos aproximar desse “monstruo de La natureza”, cuja obra é um milagre de fecundidade e de inventividade artística, talvez só comparável a Rabelais.
Pode servir de guia para a leitura da Obra Completa desse poeta, que, por si só, já valeria uma Literatura. O que, tratando-se da Literatura Francesa, não é pouco...

Assis, 29 de junho de 2009
E-mail: professorprado.prado@gmail.com

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CANTIGA DE NINAR



CANTIGA DE NINAR
Para acariciar-te
Peço à minha arte
Os sons da cantiga.
E o sentido agudo
(Dedos de veludo)
Para o afago, amiga.
Lúcida ternura
Seja a tessitura
Sempre nova e antiga,
E com som risonho
Embale teu sonho,
E o sonho prossiga.
Para acariciar-te
Não basta minha arte,
Minha doce amiga.
Entre o todo e a parte
Meu som se reparte
E em canção se liga.
Possa, pois, minha arte,
Por acariciar-te,
Fazer-se cantiga...



Antônio Lázaro de Almeida Prado
Lúcido Sonho

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sábado, 4 de julho de 2009

ENVOI


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ENVOI:


Flor exótica,
Que brotas
De duras penedias,
Alcancei-te
Tão só para beijar-te.






CONFISSÃO


Entre as pedras vislumbrei
A leveza dos ventos.
Entre espinhos surpreendi
A maciez das rosas.
De chagas maceradas
Brotaram doces cantos.






Antônio Lázaro de Almeida Prado

Lúcido Sonho



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AGORA, O CORAÇÃO...


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AGORA, O CORAÇÃO...


Se colhes uma flor ou se recolhes
Em tuas frágeis mãos uma ave frágil
Teu gesto já tão puro se faz grácil,
Põe desvelos demais nos dedos moles.
Não se machuque o pássaro, e a dor
Não toque nem ofenda a flor miúda,
E de tanto cuidado ficas muda
E tocas tão de leve a ave e a flor,
O relógio, de encanto, interrompe
A desmedida pressa desse vento,
Que do fundo do eterno já irrompe.
Torna agora o teu gesto inda mais lento
E ao som tão delicado da canção
Toma em tuas mãos meu coração.



Antônio Lázaro de Almeida Prado

Lúcido Sonho


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CANTIGA DE NINAR

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CANTIGA DE NINAR

Para acariciar-te
Peço à minha arte
Os sons da cantiga.
E o sentido agudo
(Dedos de veludo)
Para o afago, amiga.
Lúcida ternura
Seja a tessitura
Sempre nova e antiga,
E com som risonho
Embale teu sonho,
E o sonho prossiga.
Para acariciar-te
Não basta minha arte,
Minha doce amiga.
Entre o todo e a parte
Meu som se reparte
E em canção se liga.
Possa, pois, minha arte,
Por acariciar-te,
Fazer-se cantiga...

Antônio Lázaro de Almeida Prado

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QUERO VER


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QUERO VER



Quero ver se resgato
Desse atroz desacato
Vida limpa e decente
Pra alegria da gente
Quero ver...
Quero ver se à criança
Eu devolvo a esperança
E esse bem que persigo
Quero ver se eu consigo
Quero ver...
Quero ver na cidade
Brotar a felicidade.
Hei-de até conseguir
Ver meu povo sorrir.
Quero ver...
Hei-de ver, sim senhor,
O resgate do amor
Na canção que me diz:
Quero o povo feliz!
Quero ver, quero ver...



Antõnio Lázaro de Almeida Prado


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PLANTEI-ME QUAL RAIZ NO SOLO ARCANO

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PLANTEI-ME QUAL RAIZ NO SOLO ARCANO

Plantei-me, qual raiz, no solo arcano,
Com meu peso específico de carne,
E a semente dos sonhos se alimenta
Do húmus de um espírito encarnado.
Plantado estou, plantado permaneço
Com células terrestres neste corpo
Capaz de tanto elã, quanto aderente
Ao solo que me deu sonho e alimento.
Simétrico de Rilke, fascinado,
Quero a carne dos sonhos compassada
Pela sístole e diástole da terra
Neste meu coração terreno e humano.
Plantado estou, plantado permaneço
E muito bem plantado me suplanto...


Antônio Lázaro de Almeida Prado
Lúcido Sonho

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Fernanda e o poeta Almeida Prado

COMPARTILHADO


Solitário indivíduo estendo pontes
E solidário me faço além do espaço
Exíguo deste corpo agreste e lasso,
Navegando para além dos horizontes.
Compartilhada vida só em parte
Pois que, por outra parte, fujo à ilha,
E desfruto a perpétua maravilha
De à angusta solidão fugir com arte.
Solitário, mas sempre solidário,
Fugindo ao tempo precário e repartido,
No bem do amor encontro o meu sacrário
E tudo o que é bem meu eu condivido
Não vendo noutro ser algo contrário
Mas o que faz o inferno suprimido.

Assis, 15 de junho de 2007

Antônio Lázaro de Almeida Prado



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:::::::::::::::::: EXERCÍCIOS DA VOZ ::::::::::::::::::

Interlúdio paulistano (1) 

 

Antônio Lázaro de Almeida Prado 
 

O que mais atrai na “Paulicéia Desvairada” é essa oferta, em leque, de opções artísticas.

Participei, com Poeta convidado, de mais um sarau na Casa das Rosas (Espaço artístico Haroldo de Campos).

Nessa mesma Casa das Rosas surpreendeu-me e encantou-me a exposição multimídia de uma artista do Sul, que já traz (na vida e na Arte) o destino no nome: Rosae Novichenko (Rosângela Nowitschenko).

Trata-se de uma jovem catarinense, que, como tantos artistas, expõem e/ou trabalham (artisticamente) em São Paulo e na capital paulista oferecem, generosamente, a quantos concordem com Keats: “o belo é uma alegria para sempre”, os dons de sua criatividade e competência criadora.

Rosae/Rosângela (pluralmente Rosa e singularmente ângela (anjo) é da estirpe dos que olham, com ternura e lucidez, esse imenso território terrestre, em que decorre nosso estágio vital, que, aliás, se cumpre aqui e para além dessa admirável Terra.

Com técnicas artísticas inovadoras (uma das quais é a produtiva técnica mista do uso de nanquim, grafite e esmalte de unha) Rosae coincide com virtuosismo floral de Botticelli) e instaura um universo artístico germinador, em que os reinos mineral, vegetal, animal (e mais especificamente humano) se abraçam num enlace de imanência e transcendência, de admiráveis efeitos formais e colorísticos.

Corpos femininos esplendentes florescem em rosas e habitam o território edênico da terrestridade e dos sonhos, esse mesmo corpo feminino desabrocha em quase audíveis sons de violinos e celos, temperados de efeitos oníricos e de formas ora evanescentes, ora concretíssimas.

Em tudo a dimensão de grandeza dos sonhos mais encantados, a placidez das formas, a festiva alegria dos adornos, o êxito do refinamento artístico, o requinte do artesanato perfeito.

Parece-me que a presença artística do Sul brasileiro, há pouco representada pela admirável arte fotogrática de Adriana Füchter, confirma-se nesta exposição, por todos os títulos preciosa, de uma jovem catarinense que busca, com pertinência (e o consegue) chegar àquela incidência da beleza que, para Keats, é uma alegria para sempre.

Artistas de almas irmãs mestre Botticelli e a nossa Rosae Novichenko, com saber e sabor, enriquecem nossa vida, fazendo-nos sintonizar com uma ênfase artística, que embeleza a beleza natural e nos encanta.

Temos que pedir a Rosae que prossiga na credenciada revelação da beleza da vida e dos instantes lúcidos dos sonhos. 

Assis, 24 de junho de 2007 

E-mail: professorprado.prado@gmail.com

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:::::::::::::::::::::: EXERCÍCIOS DA VOZ ::::::::::::::::::::::::

Interlúdio paulistano (2) 

 

Antônio Lázaro de Almeida Prado 
 

  “Habitué” do MASP, volto a ele, e vejo a exposição de Darwin, mas na verdade, como uma ocasião feliz, a mais, para rever as obras de Paul Cézanne (1839-1906), já vistos no MASP e em Paris, sempre com o mesmo encantamento de quem considera Cézanne um dos grandes mestres da Pintura e das correntes pictóricas atuais.

Difícil encontrar quem consiga emparelhar com Cézanne na destreza de obter, através de massas colorísticas, a sensação de dimensão, quase tangível, de frutas, panoramas, pessoas, árvores e (quase diria) de cidades captadas através de artísticas formas geométricas.

A chamada “natureza morta” (tantas maçãs, tantos pêssegos, tantas laranjas – todas tentadoras) parece que tratadas por essa hábil mão, que ao modo de Michelangelo, “ubbidisce all’intelletto: que obedece à inteligência), a “natureza morta”, assim com a vida vegetativa de tantas árvores majestosas, tudo isso ganha vida, graças a essa espécie de humanização Ersatz, que lhe confere Cézanne.

Jogadores parecem manter expectativas (e até disfarces e truques) de apostadores, mas perante um público, formado por quantos têm o privilégio de contemplar a tela.

E o relevo das formas humanas, obtido a partir do justo emprego de massas colorísticas e de linhas!...

Um quadro, uma pintura, disse uma vez um crítico artístico sagaz, não é mais do que “uma superfície plana, recoberta de cores e linhas”. Ora, a descoberta da perspectiva, por exemplo de um Giotto (O beijo de Judas), ou dos renascentistas mais capazes, ou a admirável construção de perspectiva, a partir sempre, de cores e linhas, se não me equivoco, vale como um traço definidor de gênios e de talentos.

Parece-me que as vanguardas do século XX, através de seus mais credenciados artistas, abeberaram-se nesta fonte inspiradora de talento e de artesanato que se chama Paul Cézanne... 

*

*               * 

Fui ver também o acervo do MASP concernente à obra de Toulouse Lauterc (1864-1901).

Confesso (e não sei bem explicar o porquê) que sempre vejo no traçado leve (quase diria caricato) de Lautrec uma antevisão de fim-de-linha da chamada “Belle Époque”.

Sinto em Marcel Proust (1871-1922) um encantamento pela “douceur de vivre”, que se traduz num estilo tão caprichoso quanto o da arte dos vitrais, atento a particulares expressivos, que me parecem até uma tentativa de preservação (escrita e sugerida) de um tempo que ele tanto amou e que melancolicamente percebe que precisa de uma nova “Commedia”: a do resgate das palavras...

Mas Toulouse Lautrec, sem a gravidade de um Miserere de Rouault, parece mais interessado em não tomar muito a sério os ritos, as pompas e o “savoir faire” da “Belle Époque”.

Lautrec tem para mim o sabor rabelaisiano de quem prefere ao trágico puro, o tragicômico, o riso, ora leve, ora mais acentuado, quase de uma sátira cruel...

Há (suponho) na leveza de dançarinos de cabarés, nos rápidos movimentos de salões e (particularmente no à vontade de cavaleiros e amazonas um certo, como que compensatório, desse nobre francês, reduzido, pela forma física (ou se quiserem a deformidade) a invejar, ora complacente, ora amargo, o ágil, o lépido, o destro, a rapidez de formas e movimentos.

Às vezes me pergunto se Lautrec não buscou uma Ersatzreligion dos movimentos e da perspectividade... Ele, como o nosso talentoso Ranchinho (de Assis) parece ter fixação da força, vigor e energia nos cavalos, que galopam em círculos estreitos, em superfícies limitadas.

E, no entretanto, que captação talentosa de ritmos, da fascínio pelo cambiante e mutável! 

*

*               * 

Terá cabimento dizer-se que a fragrante captação de formas, através de massas colorísticas, em Cézanne, corresponde a um encantamento (preservado) em face da vida, enquanto que o traçado rápido, e a centelha de luz e de sombra em Toulouse Lautrec decantam-se na sátira, tão incisiva, e tão leve, quanto a ele (Lautrec) lhe faltou de bem estar físico?...

De qualquer maneira, admiráveis as gerações artísticas da “Belle Époque” e das vanguardas do século XX na França.

Imagino que até se possa recordar do êxito das gerações renascentistas da Itália...

O fato é que quer desejando perpetuar (Proust), quer conseguindo preservar (Cézanne), quer exercendo uma crítica entre cobiçosa e mordaz (Lautrec) a França pode orgulhar-se de oferecer à contemplação do mundo uma geração artística de grande qualidade... 

Assis, 24 de junho de 2007 

E-mail: professorprado.prado@gmail.com